Entrevista ao diretor Daniel Böhm: vídeodança Crazy

De Susana Oviedo y Alter Pablo Rozental

24 de Abr de 2022

Daniel Böhm é cineasta, artista audiovisual e contador de histórias.  Nascido na Itália, vive e trabalha em Buenos Aires, Argentina.  Em seu trabalho, explora a poética do movimento e a consciência psicológica através do cinema, da fotografia, da dança e da escrita.

Médico (UBA) e psicanalista, alterna seu trabalho clínico com as artes visuais. Estudou Cinema e Fotografia na Universidade de Nova York. Por seus filmes, ganhou o primeiro prêmio no Joseph Papp Festival em Nova York, a Placa de Ouro no Festival de Cinema de Chicago e o Leão de Prata no Festival Internacional de Criatividade de Cannes.

Ele é curador do Ciclo Cuerpos. Dirige a Editora mQ2*, Coleção de Cinema Experimental, com a que tem publicado a biofilmografia da artista Narcisa Hirsch. É professor em laboratórios e oficinas de cinema, fotografia e vídeodança.  Uma retrospectiva do seu trabalho foi apresentada na Fundação Slought em Filadélfia.

Ele publicou Fora de Quadro, seu primeiro romance, em 2019.

Daniel Böhm

Você encontra alguma ligação entre o surrealismo e a vídeodança?

A ligação entre VD e surrealismo não é necessariamente literal, mas é um importante antecedente na arte moderna. O surrealismo resgatou o onírico, as associações estéticas que emergem diretamente do inconsciente, ou mesmo do acaso. Se o surrealismo é uma forma de ver abaixo do que chamamos de “realidade”, para permitir que apareça o não-racional, o monstruoso e o contraditório, então a dança, e principalmente a VD, tomam essas regiões obscuras ou divinas como seu objeto.

Na VD não há necessidade de uma história tradicional, não há diálogos, nem necessariamente tem a estrutura da ficção. A comunhão da dança com o cinema amplia as possibilidades do jogo, cria seu próprio tempo e espaço, completamente diferente do espaço cênico, subvertendo-os, reinventando-os.

A VD inventou uma nova relação entre a gravação audiovisual e a dança, tão diferente de como o cinema via a dança, mais parecida com o ponto de vista de um espectador de palco. Nessas obras, é uma câmera móvel que olha, um olho que ora se torna subjetivo, ora não pessoal. O espaço não é mais «real» ou da cena, mas pode ser múltiplo, abstrato, até mesmo inexistente. Da mesma forma, o tempo é fragmentado, esticado ou comprimido, como movimentos, que se repetem, se vem com lupa, se desfazem.

Em Crazy há uma mistura de influências, talvez a mais notória seja o expressionismo alemão. Mas também existem gêneros cinematográficos como cinema mudo, terror psicológico, thrillers e até filmes de dança sincronizada. Embora Crazy jogue com um formato mais clássico, não pretende homenagear nenhum deles, senão explorar os arquétipos, e não apenas os do cinema.

Como você faz para conciliar linguagens expressivas tão antitéticas: por um lado, a dança, um dos meios de expressão mais antigos do homem, e por outro, o vídeo, um dos mais contemporâneos? Como é o trabalho com a materialidade do corpo com um meio desencarnado, abstrato, quase desumano? Você acha que essa contradição, longe de ser um obstáculo, representa um desafio?

É a fricção do físico-corpóreo com a imagem virtual que torna mais interessante o trabalho do corpo no meio audiovisual. Ainda mais quando o suporte é eletrônico ou mesmo digital. O próprio corpo é transformado em bits. Um corpo pode ser penetrado pelo olhar e a tecnologia tem multiplicado, virtualizado e até desorganizado isso (seguindo Artaud), no entanto, continua a ser um corpo.

Você acha que essa união poderia se legitimar nos elementos que os separam, obrigando-os a se complementarem?

No meu trabalho não busco nenhuma legitimação ou complementação dessas linguagens ou elementos, pois não acredito que VD seja um gênero em si. Em todo caso, é uma intenção, um desejo de transcender alguns de seus limites em prol da experimentação.

¿Como a coreografia se adapta a espaços virtuais e não convencionais? ¿ Como é a escolha que faz a câmera para resgatar áreas, setores muitas vezes corpóreos e que dão uma dimensão inusitada ao corpo como lugar para percorrer e/ou morar?

«Cinema» pode ser entendido como uma grande coreografia. Quando o cinema e a dança se envolvem, a ideia de “coreografia” é amplificada, é posta em causa. Na VD o corpo se move, mas também a câmera, o olhar: é um olho que dança. Por isso falamos de “dança para a câmera” ou, mais precisamente, de uma “coreografia do olhar”.

O corpo é o verdadeiro território dessas obras.  No Ciclo Cuerpos, espaço presencial que criei há 4 anos com Laura Arensburg, no Club Matienzo, definimos este trabalho da seguinte forma: «um território para explorar com os olhos»:

CICLO CUERPOS

Ciclo sobre vídeo dança experimental e corporal

Observar um corpo em detalhes, desmembrá-lo em planos, fazer poses inusitadas, localizá-lo em lugares estranhos ou habituais, movimentá-lo harmoniosamente em ambientes absurdos ou incoerentemente em espaços cotidianos, sobrepor digitalmente.  É disso que tratam essas obras. Brincar com o corpo ou levá-lo muito a sério. Abstrair, identificar, internalizar.

A modernidade designou o corpo como signo do indivíduo e de sua individualidade e ao mesmo tempo opôs o homem e seu corpo como uma dualidade que não o é tal. Gerou uma ruptura do corpo consigo mesmo, com os outros e com o cosmos. Compreender o corpo como parte do ser, compreender que através dele percebemos o mundo de uma determinada maneira e no caminho observamos outros corpos.

Desde os primórdios do homem, a dança e a representação do corpo estão presentes. Como a arte contemporânea vê através do vídeo e o que nos diz sobre essa relação?  Podemos falar do início de uma mudança de paradigma ou ainda é prematuro?

Como se estabelece o diálogo com o corpo midiatizado e transformado em superfície nesse novo olhar que a coreografia deve estabelecer, pois, além de desenhar o movimento, é preciso pensar no olhar que o percorrerá? Como Crazy fica nisso?

Mariana Blutrach (coreógrafa): O fato de levar uma coreografia ao cinema exige um trabalho totalmente novo, tanto no roteiro, quanto nas cenas e nas imagens. O olho da câmera pode cortar, ampliar, intensificar e até direcionar o olhar, tudo em busca da criação de uma obra nova, talvez mais sensorial, e com um tipo diferente de narrativa. A dança, em comunhão com o cinema, reinventou Crazy.

 

Categorías: Artes Visuales
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